O Espiritismo veio mostrar o fim exclusivamente moral, consolador
e religioso das relações de além-túmulo
"Não creiais em todos os Espíritos.
Examinai se os
Espíritos são de Deus."
- (Jo.,
Epístola 1ª, 4:1)
Acompanhemos o raciocínio
esclarecedor de Allan Kardec
exarado no capítulo X da primeira parte do livro "O Céu e o Inferno": “(...) O Espiritismo não
admite a manifestação de
quaisquer Espíritos, bons
ou maus, sem a
permissão de Deus.
Diz mais que mediante tal
permissão e correspondendo ao
apelo dos vivos, os Espíritos não se
põem à disposição destes.
O Espírito evocado vem voluntariamente, ou é constrangido a manifestar-se?
Obedecendo à vontade
de Deus, isto é, à lei que rege o
Universo, Ele julga da utilidade ou inutilidade da sua manifestação, o que
constitui uma prerrogativa do seu
livre-arbítrio.
O Espírito Superior
não deixa de vir sempre que é
evocado para um fim útil, só
se recusando a
responder quando em reunião de pessoas pouco sérias que levem a coisa em
ar de gracejo¹.
- Pode o Espírito
evocado recusar-se a vir pela evocação que lhe fazem?
- Perfeitamente,
visto que tem o seu livre-arbítrio.
Podeis acaso acreditar que todos os
seres do Universo estejam à vossa disposição? E vós mesmos vos julgais obrigados a responder a todos quantos pronunciam o vosso
nome? Mas quando digo que o Espírito pode
recusar-se, subordino essa negativa ao pedido do evocador, por isso
que um Espírito inferior pode ser constrangido por um superior a manifestar-se.
Tanto os Espíritas
estão convencidos de que nada podem
sobre os Espíritos diretamente, sem a
permissão de Deus, que
dizem, quando evocam: "Rogamos a
Deus Todo-Poderoso permitir que um bom Espírito se comunique conosco, bem
como aos nossos anjos
de guarda assistir-nos
e afastarem os
maus Espíritos”.
E em se tratando de
evocação de um Espírito determinado²: -
"Rogamos a Deus Todo-Poderoso permitir que
tal Espírito se comunique
conosco", etc...
As acusações formuladas pela Igreja e demais detratores contra
as evocações, não
atingem, portanto, o Espiritismo, porém as práticas da magia,
com a qual este nada tem de comum. O
Espiritismo condena tanto
quanto aqueles as referidas práticas, ao mesmo tempo em que
não confere aos Espíritos superiores um
papel indigno deles, nem algo pergunta ou
pretende obter sem a permissão de Deus.
Certo, pode haver
quem abuse das evocações ou delas faça
um jogo, ou
lhes desnature o
caráter providencial em proveito
de interesses pessoais, e ainda pode existir
quem por ignorância, leviandade, orgulho ou ambição se
afaste dos verdadeiros princípios da Doutrina; o verdadeiro
Espiritismo, o Espiritismo sério
os condena também,
do mesmo modo
que a verdadeira religião condena
os crentes hipócritas e os fanáticos.
Portanto, não é lógico nem razoável imputar ao Espiritismo abusos
que ele é o primeiro a profligar, e os
erros daqueles que o não
compreendem. Antes de formular qualquer
acusação, convém saber se é
justa. Assim diremos:
A censura da Igreja
e demais detratores do
Espiritismo recai nos
charlatães, nos
especuladores, nos praticantes da magia e sortilégios,
e com razão. Quando
a crítica religiosa
ou céptica, dissecando abusos, condena o charlatanismo, não faz mais do
que realçar a pureza da sã doutrina, auxiliando-a no
expurgo de maus elementos e
facilitando-nos a tarefa. "O erro da
crítica está no confundir o bom e o mau,
o que muitas vezes sucede pela má-fé de alguns
e ignorância do maior número".
Analisemos, agora, com Kardec, os motivos que levaram
Moisés, a proibir a comunicação com os “mortos”: "(...)
Ele queria que o seu povo abandonasse todos os costumes adquiridos no
Egito, onde as evocações estavam
em uso e facilitavam abusos, como
se infere destas palavras de
Isaías³: "O Espírito
do Egito se aniquilará de si
mesmo e
eu precipitarei seu
conselho; eles consultarão
seus ídolos, seus adivinhos e seus mágicos”.
Os israelitas não
deviam contratar alianças com as nações
estrangeiras, e sabido era que naquelas nações
que iam combater, encontrariam as
mesmas práticas. Moisés devia, pois,
politicamente, inspirar aos
hebreus aversão a todos
os costumes que pudessem ter semelhanças e pontos de contato com o inimigo.
Para justificar essa
aversão, preciso era
que apresentasse tais práticas
como reprovadas pelo próprio Deus, e
daí estas palavras: - " O Senhor abomina todas
essas coisas e destruirá, à vossa chegada, as nações que
cometem tais crimes”.
A proibição de Moisés era assaz justa, porque a evocação
dos mortos não se
originava nos sentimentos
de respeito, afeição ou
piedade para com eles, sendo
antes um recurso para
adivinhações, tal como nos augúrios
e presságios explorados pelo
charlatanismo e pela
superstição. Essas práticas, ao
que parece, também eram objeto
de comércio, e Moisés,
por mais que fizesse, não conseguiu
desentranhá-la dos costumes
populares.
As seguintes palavras do profeta justificam o asserto4: -
"Quando vos disserem: consultai os mágicos e adivinhos que balbuciam
encantamentos, respondei: - Não consulta cada
povo o seu Deus?
E aos mortos se fala do que
compete aos vivos?
Sou eu quem aponta a falsidade dos
prodígios mágicos; quem enlouquece
os que se propõem
adivinhar, quem transtorna o espírito dos sábios e confunde a sua ciência
vã." (64:25).
"Que esses adivinhos, que estudam
o Céu, contemplam os
astros e contam os meses
para fazer predições, dizendo revelar-vos o futuro,
venham agora vos salvar. - Eles tornaram-se como a palha, e o fogo os
devorou; não poderão livrar suas almas do fogo
ardente; não restarão
das chamas que despedirem, nem carvões que possam aquecer, nem fogo ao
qual se possam sentar.
- Eis ao que ficarão reduzidas
todas essas coisas das
quais vos tendes
ocupado com tanto
afinco: os traficantes que
convosco traficam desde a infância foram-se, cada qual para seu lado, sem que
um só deles se encontre que vos tire os
vossos males”. (67:13 a 15).
Inequivocamente,
naqueles tempos, as evocações tinham
por fim a adivinhação, ao mesmo tempo em
que constituíam comércio associadas
às práticas de
magia e sortilégio, acompanhadas
até de sacrifícios humanos. Moisés tinha razão, portanto, proibindo
tais coisas e afirmando que Deus as abominava.
Essas práticas supersticiosas perpetuaram-se até à Idade Média, mas hoje a
razão predomina, ao mesmo tempo em que o Espiritismo veio mostrar o fim
exclusivamente moral, consolador e religioso das relações de além-túmulo.
Uma vez, porém,
que os espíritas
não sacrificam criancinhas nem fazem libações para honrar deuses; uma
vez que não interrogam os astros, mortos e áugures para adivinhar a verdade
sabiamente velada aos homens; uma
vez que repudiam traficar com a faculdade de comunicar com os
Espíritos; uma vez que os não move a
curiosidade nem a cupidez, mas um sentimento de piedade, um
desejo de instruir-se e melhorar-se,
aliviando as almas sofredoras; uma vez que assim é, porque o é -
a proibição de Moisés não lhes pode ser
extensiva.
Se os que
clamam injustamente contra
os espíritas se aprofundassem mais no sentido das palavras bíblicas,
reconheceriam que nada
existe de análogo, nos princípios
do Espiritismo, com o que se passava entre os hebreus. A verdade é que o
Espiritismo condena tudo que motivou
a interdição de Moisés;
mas os seus adversários, no afã de encontrar argumentos com que
rebatam as novas ideias, nem se
apercebem que tais argumentos são negativos, por serem
completamente falsos.
A lei civil
contemporânea pune todos
os abusos que Moisés tinha em vista reprimir. Contudo,
se ele pronunciou a pena
última contra os delinquentes, é porque lhe faltavam meios mais brandos para governar
um povo tão indisciplinado. Essa
pena, ao demais, era muito prodigalizada
na legislação mosaica, pois
não havia muito
onde escolher os
meios de repressão. Sem prisões nem casas de correção no
deserto, Moisés não podia graduar a
penalidade como se faz em nossos dias,
além do que o seu povo não era de natureza a atemorizar-se com penas puramente disciplinares. Carecem, portanto, de razão os que se apoiam
na severidade do
castigo para provar
o grau de culpabilidade da
evocação dos mortos.
Conviria, por consideração à lei de Moisés, manter a pena capital em
todos os casos nos quais ele a prescrevia? Por que, então, reviver com tanta
insistência este artigo, silenciando ao mesmo
tempo o princípio do capítulo que proíbe aos sacerdotes a posse
de bens terrenos e
partilhar de qualquer herança, porque o Senhor é a
própria herança?5
Há duas partes distintas na lei de Moisés: a Lei de Deus, promulgada sobre o Sinai, e
a lei civil ou disciplinar, apropriada
aos costumes e caráter do povo. Uma dessas leis é invariável, ao passo que a
outra se modifica com o tempo, e a ninguém ocorre que possamos ser governados
pelos mesmos meios por que o eram
os judeus no deserto. (...)
Tudo tinha sua
razão de ser
na legislação de Moisés, uma vez que tudo ela prevê em seus mínimos detalhes, mas
a forma, bem
como o fundo,
adaptavam-se às circunstâncias ocasionais.
Se Moisés voltasse em nossos dias para
legislar sobre uma nação civilizada, decerto não lhe daria um código igual ao dos hebreus.
(...) Não veio
Jesus modificar a
lei mosaica, fazendo da Sua lei o código dos cristãos? Não
disse ele: - "Vós sabeis o que foi
dito aos antigos, tal e tal coisa, e eu vos digo tal outra
coisa?" Entretanto Jesus não
proscreveu, antes sancionou a Lei do
Sinai, da qual toda a Sua doutrina moral é um
desdobramento... Ora,
Jesus nunca aludiu
em parte alguma à proibição
de evocar os mortos,
quando este era um assunto bastante
grave para ser omitido
nas Suas prédicas, mormente tendo Ele tratado de outros assuntos secundários.
Serão os detratores
do Espiritismo mais judeus
que cristãos? Convém notar que,
de todas as religiões, precisamente a
judia é que faz menos oposição
ao Espiritismo, porquanto não
invoca a lei de Moisés contrária às relações com os mortos, como fazem as
seitas cristãs.
Mas temos ainda outra
contradição: - Se Moisés proibiu evocar os mortos, é que
estes podiam vir, pois do contrário
inútil fora a proibição. Ora, se os
mortos podiam vir naqueles tempos,
também o podem hoje; e se são os
Espíritos de mortos os que
vêm, não são exclusivamente
demônios. Demais, Moisés de
modo algum fala nesses últimos”.
Rogério Coelho
1 - KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns. 71.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª. Parte, cap. XXV.
2 - Idem, ibidem, 2ª parte, cap. XVII, 203.
3 - Isaías, 19:3.
4 - Isaías,
8:19.
5 - Deuteronômio,
27:1 e 2.
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