sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O QUE O ESPIRITISMO É; O QUE O ESPIRITISMO NÃO É (Parte II)


O Espiritismo veio mostrar o fim exclusivamente moral, consolador e religioso das relações de além-túmulo

"Não creiais em todos os Espíritos. 
 Examinai se os Espíritos são de Deus."
-              (Jo., Epístola 1ª, 4:1)

Acompanhemos  o  raciocínio  esclarecedor  de Allan Kardec exarado no capítulo X da primeira parte do livro  "O Céu e o Inferno":  “(...) O Espiritismo   não   admite    a manifestação  de  quaisquer  Espíritos,  bons  ou  maus,  sem   a permissão  de  Deus.    Diz mais que  mediante  tal  permissão  e correspondendo  ao  apelo dos vivos, os Espíritos não se  põem  à disposição destes.   
O Espírito evocado vem voluntariamente, ou  é constrangido a manifestar-se?
Obedecendo  à vontade de Deus, isto é, à  lei que rege o Universo, Ele julga da utilidade ou inutilidade da sua manifestação,  o  que constitui uma prerrogativa  do  seu  livre-arbítrio.
O  Espírito Superior não deixa de vir  sempre que  é  evocado  para um fim útil, só se  recusando  a  responder quando em reunião de pessoas pouco sérias que levem a coisa em ar de gracejo¹.
-  Pode o Espírito evocado recusar-se  a  vir pela evocação que lhe fazem?  
-  Perfeitamente, visto que tem o seu livre-arbítrio.    Podeis acaso acreditar que todos os  seres  do Universo  estejam à vossa disposição?   E vós mesmos vos  julgais obrigados  a responder a todos quantos pronunciam o  vosso  nome?   Mas  quando digo que o Espírito pode recusar-se,  subordino  essa negativa ao pedido do evocador, por isso que um Espírito inferior pode ser constrangido por um superior a manifestar-se.
Tanto  os Espíritas estão convencidos de  que nada  podem  sobre os Espíritos diretamente, sem a  permissão  de Deus,  que  dizem, quando evocam: "Rogamos a  Deus  Todo-Poderoso permitir  que um bom Espírito se comunique conosco, bem como  aos nossos   anjos  de  guarda  assistir-nos  e  afastarem  os   maus Espíritos”.
E  em se tratando de evocação de um  Espírito determinado²:  -  "Rogamos a Deus Todo-Poderoso permitir  que  tal Espírito  se  comunique  conosco",  etc... 
As acusações formuladas pela Igreja e  demais detratores   contra  as  evocações,  não  atingem,  portanto,   o Espiritismo, porém as práticas da magia, com a qual este nada tem de  comum.    O  Espiritismo  condena  tanto  quanto  aqueles  as referidas práticas, ao mesmo tempo em que não confere aos  Espíritos superiores um papel indigno deles, nem algo pergunta ou  pretende obter sem a permissão de Deus.
Certo,  pode haver quem abuse das  evocações ou  delas  faça  um  jogo,  ou  lhes  desnature  o   caráter providencial  em proveito de interesses pessoais, e ainda pode existir  quem por  ignorância,  leviandade, orgulho ou ambição  se  afaste  dos verdadeiros  princípios da Doutrina; o verdadeiro Espiritismo,  o Espiritismo  sério  os  condena  também,  do  mesmo  modo  que  a verdadeira religião condena os crentes hipócritas e os fanáticos.   Portanto, não é lógico nem razoável imputar ao Espiritismo abusos que  ele é o primeiro a profligar, e os erros daqueles que o  não compreendem.   Antes de formular qualquer acusação, convém  saber se  é  justa.    Assim  diremos:  A censura  da  Igreja  e  demais detratores    do   Espiritismo   recai   nos   charlatães,    nos especuladores,  nos  praticantes da magia e  sortilégios,  e  com razão.    Quando  a  crítica  religiosa  ou  céptica,  dissecando abusos,  condena o charlatanismo, não faz mais do que  realçar  a pureza da sã doutrina, auxiliando-a no expurgo de maus  elementos e facilitando-nos a tarefa.   "O erro da crítica está no confundir o  bom e o mau, o que muitas vezes sucede pela má-fé de alguns  e ignorância do maior número".
Analisemos, agora, com Kardec, os motivos que levaram Moisés, a proibir a comunicação com os “mortos”:  "(...)  Ele queria que o  seu povo  abandonasse todos os costumes adquiridos no Egito, onde  as evocações  estavam  em uso e facilitavam abusos, como  se  infere destas palavras de Isaías³:   "O  Espírito  do Egito se  aniquilará  de  si mesmo  e  eu  precipitarei seu conselho;  eles  consultarão  seus ídolos, seus adivinhos e seus mágicos”.
Os  israelitas não deviam contratar  alianças com as nações estrangeiras, e sabido era que naquelas nações  que iam  combater, encontrariam as mesmas práticas.    Moisés  devia, pois,  politicamente,  inspirar aos hebreus aversão  a  todos  os costumes que pudessem ter semelhanças e pontos de contato com  o inimigo.  Para  justificar  essa  aversão,  preciso  era   que apresentasse  tais práticas como reprovadas pelo próprio Deus,  e daí  estas  palavras: - " O Senhor abomina todas essas  coisas  e destruirá, à vossa chegada, as nações que cometem tais crimes”.
A proibição de Moisés era assaz justa, porque a  evocação  dos  mortos  não se  originava  nos  sentimentos  de respeito,  afeição  ou  piedade para com  eles,  sendo  antes  um recurso  para  adivinhações, tal como nos augúrios  e  presságios explorados   pelo  charlatanismo  e  pela  superstição.     Essas práticas,  ao  que  parece, também eram  objeto  de  comércio,  e Moisés,  por mais que fizesse, não conseguiu  desentranhá-la  dos costumes populares.
As seguintes palavras do profeta justificam o asserto4: - "Quando vos disserem: consultai os mágicos e adivinhos que balbuciam encantamentos, respondei: - Não consulta cada  povo o  seu  Deus?   E aos mortos se fala do que  compete  aos  vivos?  Sou eu quem aponta a falsidade dos  prodígios mágicos;  quem  enlouquece  os que  se  propõem  adivinhar,  quem transtorna  o espírito dos sábios e confunde a sua  ciência  vã." (64:25).
"Que  esses  adivinhos, que  estudam  o  Céu, contemplam  os  astros e contam os meses  para  fazer  predições, dizendo revelar-vos o futuro, venham agora vos salvar.   -   Eles tornaram-se como a palha, e o fogo os devorou; não poderão livrar suas  almas  do  fogo  ardente;  não  restarão  das  chamas   que despedirem,  nem carvões que possam aquecer, nem fogo ao qual  se possam  sentar.    -  Eis ao que ficarão  reduzidas  todas  essas coisas  das  quais  vos  tendes  ocupado  com  tanto  afinco:  os traficantes que convosco traficam desde a infância foram-se, cada qual para seu lado, sem que um só deles se encontre que vos  tire os vossos males”. (67:13 a 15).
Inequivocamente,    naqueles    tempos,    as evocações  tinham  por  fim a adivinhação, ao  mesmo  tempo em  que constituíam   comércio   associadas  às  práticas  de   magia   e sortilégio,  acompanhadas  até de sacrifícios  humanos.    Moisés tinha razão, portanto, proibindo tais coisas e afirmando que Deus as abominava.
Essas práticas supersticiosas  perpetuaram-se até à Idade Média, mas hoje a razão predomina, ao mesmo tempo em que o Espiritismo veio mostrar o fim exclusivamente moral, consolador e religioso das relações de além-túmulo.
Uma   vez,  porém,  que  os   espíritas   não sacrificam criancinhas nem fazem libações para honrar deuses; uma vez que não interrogam os astros, mortos e áugures para adivinhar a  verdade  sabiamente velada aos homens; uma  vez  que  repudiam traficar  com a faculdade de comunicar com os Espíritos; uma  vez que os não move a curiosidade nem a cupidez, mas um sentimento de piedade,  um  desejo de instruir-se e melhorar-se,  aliviando  as almas  sofredoras; uma vez que assim é, porque o é - a  proibição de Moisés não lhes pode ser extensiva.
Se  os  que  clamam  injustamente  contra  os espíritas se aprofundassem mais no sentido das palavras bíblicas, reconheceriam  que  nada  existe de análogo,  nos  princípios  do Espiritismo, com o que se passava entre os hebreus.   A verdade é que  o  Espiritismo  condena tudo que  motivou  a  interdição  de Moisés;  mas os seus adversários, no afã de encontrar  argumentos com  que  rebatam  as novas ideias, nem  se  apercebem  que  tais argumentos são negativos, por serem completamente falsos.
A  lei  civil  contemporânea  pune  todos  os abusos  que  Moisés tinha em vista reprimir.    Contudo,  se  ele pronunciou  a  pena última contra os delinquentes, é  porque  lhe faltavam meios mais brandos para governar um povo tão  indisciplinado.   Essa  pena,  ao  demais, era muito  prodigalizada  na  legislação mosaica,  pois  não  havia  muito  onde  escolher  os  meios  de repressão.   Sem prisões nem casas de correção no deserto, Moisés não  podia graduar a penalidade como se faz em nossos dias,  além do que o seu povo não era de natureza a atemorizar-se com  penas puramente disciplinares.   Carecem, portanto, de razão os que  se apoiam   na  severidade  do  castigo  para  provar  o   grau   de culpabilidade   da   evocação   dos   mortos.     Conviria,   por consideração  à lei de Moisés, manter a pena capital em todos  os casos  nos quais ele a prescrevia?   Por que, então, reviver  com tanta  insistência  este  artigo, silenciando ao  mesmo  tempo  o princípio  do capítulo que proíbe aos sacerdotes a posse de  bens terrenos  e  partilhar de qualquer herança, porque o Senhor  é  a própria herança?5
Há duas partes distintas na lei de Moisés:  a Lei de Deus, promulgada sobre o Sinai, e a  lei civil ou disciplinar, apropriada aos costumes e caráter do  povo.   Uma dessas leis é invariável, ao passo que a outra se modifica com o  tempo,  e a ninguém ocorre que possamos ser  governados  pelos mesmos  meios por que o eram os judeus no deserto.  (...)   Tudo  tinha  sua  razão  de  ser   na legislação de Moisés, uma vez que tudo ela prevê em seus  mínimos detalhes,  mas  a  forma,  bem  como  o  fundo,  adaptavam-se  às circunstâncias  ocasionais.    Se Moisés voltasse em  nossos  dias para  legislar sobre uma nação civilizada, decerto não lhe  daria um código igual ao dos hebreus.
(...)   Não  veio  Jesus  modificar   a   lei mosaica, fazendo da Sua lei o código dos cristãos?    Não  disse ele: - "Vós sabeis o que foi  dito aos  antigos,  tal e tal coisa, e eu vos digo tal  outra  coisa?"  Entretanto Jesus não proscreveu, antes sancionou a Lei do  Sinai, da  qual  toda a Sua doutrina moral é  um  desdobramento...    Ora, Jesus  nunca  aludiu  em parte alguma à proibição  de  evocar  os mortos,  quando  este  era um assunto  bastante  grave  para  ser omitido  nas Suas prédicas, mormente tendo Ele tratado de  outros assuntos secundários.
Serão  os  detratores  do  Espiritismo   mais judeus  que cristãos?   Convém notar que, de todas as  religiões, precisamente  a  judia é que faz menos oposição  ao  Espiritismo, porquanto não invoca a lei de Moisés contrária às relações com os mortos, como fazem as seitas cristãs.
Mas  temos  ainda outra  contradição:   -  Se Moisés proibiu evocar os mortos, é que estes podiam vir, pois  do contrário inútil fora a proibição.   Ora, se os mortos podiam vir naqueles  tempos, também o podem hoje; e se são os  Espíritos  de mortos  os  que vêm, não são exclusivamente  demônios.    Demais, Moisés de modo algum fala nesses últimos”.

Rogério Coelho   


1 - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 2ª. Parte, cap. XXV.
2 - Idem, ibidem, 2ª parte, cap. XVII, 203.
3 - Isaías, 19:3.
4 - Isaías,  8:19.  
5 - Deuteronômio, 27:1 e 2.